de Luís Fernando Veríssimo.
Como me identifico com essa crônica!! E é por isso que muito dificilmente saio de casa sem um livro.
As
pessoas que defendem o pastoral e a volta ao primitivo nunca se lembram, nas
suas rapsódias à vida rústica, dos insetos. Sempre que ouço alguém descrever,
extasiado, as delícias de um acampamento - ah, dormir no chão, fazer fogo com
gravetos e ir ao banheiro atrás do arbusto - me espanto um pouco mais com a
variedade humana. Somos todos da mesma
espécie, mas o que encanta uns horroriza outros. Sou dos horrorizados com a
privação deliberada. Muitas gerações contribuíram com seu sacrifício e seu engenho
para que eu não precisasse fazer mais nada atrás do arbusto. Me sentiria um
ingrato fazendo. E a verdade é que, mesmo para quem não tem os meus
preconceitos, as delícias do primitivo nunca são exatamente como as descrevem.
Aquela legendária casa à beira de uma praia escondida onde a civilização ainda
não chegou, ou chegou mas foi corrida pelo vento, e onde tudo é bom e puro, não
existe. E se existe, nunca é bem assim.
-
Um paraíso! Não há nem um armazém por perto.
Quer
dizer, não há acesso à aspirina, fósforos ou qualquer tipo de leitura salvo,
talvez, metade de uma revista Cigarra de 1948, deixada pelos últimos ocupantes
da casa quando foram carregados pelos mosquitos.
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A gente dorme ouvindo o barulho do mar...
E
de animais terrestres e anfíbios tentando entrar na casa para morder o seu pé.
E, se morder, você morre. O antibiótico mais próximo fica a 100 quilômetros e
está com a data vencida.
Não.
Fico na cidade. A máxima concessão que faço à vida natural, no verão, são as
bermudas. E, assim mesmo, longas. Muito curtas e já é um começo de volta à
selva.
Não
sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas
claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo de espaços abertos),
acrofobia (medo de altura), collorfobia (medo do que ele vai nos aprontar
agora) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de
médicos) e até treiskaidekafobia (medo do número treze), mas o pânico de estar,
por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que
nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a
gutembergomania, uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela,
qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no
banheiro para ver se as torneiras tinham "Frio" e "Quente"
escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o
travesseiro, ajustei a luz e abri a lista telefônica, tentando me convencer
que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um
romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta,
qualquer coisa. Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma
Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo
pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar
uma insônia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, o sexo em todas
as suas formas, ação, paixão, violência - e uma mensagem positiva. Recomendo
"Gênesis" pelo ímpeto narrativo, "O cântico dos cânticos"
pela poesia e "Isaías" e "João" pela força dramática, mesmo
que seja difícil dormir depois do Apocalipse. Mas, e quando não tem nem a
Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga. -
Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina...
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Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga. Capricho, Vida Rotariana,
qualquer coisa.
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Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
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Não é possível! O que você faz durante a noite?
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Tricô.
Uma
esperança!
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Com manual?
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Não.
Danação.
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Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
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Bem... Tem uma carta da mamãe.
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Manda!
Adorei a crônica! Também sou assim... livros já me salvaram muitas vezes, seja fazendo companhia em momentos de solidão ou ajudando a disfarçar o fato de ser antissocial...
ResponderExcluirBjoos
Muito boa mesmo!! As vezes to no trabalho e penso.. eu podia tah lendo!!
ResponderExcluirAdorei a parte que fala do acampamento.. eu sou totalmente contra a estar num lugar tpo acampamento... Gosto da vida na cidade, obrigada!! =)
A Luky antisocial? Gostar de ficar quietinha na sua não é exatamente ser antisocial... a Luky é fofa não é antisocial!!!
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